Se foi cedo: artilheiro dos anos 90 escondeu Aids até o fim
09/07/2023 às 13h13
O santista Gérson Pereira da Silva é sobrinho-neto de Oswaldo Silva, ninguém menos que Baltazar, o Cabecinha de Ouro, segundo maior artilheiro do Corinthians nos mais de 100 anos do clube.
Gérson Pereira da Silva (Reprodução / Web)Com esta genética incrível, Gérson da Silva começou sua carreira como “Menino da Vila” no Santos, berçário de inúmeros craques do futebol brasileiro. Pelo infantil do Peixe, ganhou a Taça São Paulo de Futebol Júnior de 84, sendo também o artilheiro da competição. Já no ano seguinte, foi campeão sul-americano e mundial sub-20 pelas categorias de base da Seleção Brasileira.
No profissional, teve breve passagem pelo Santos e seguiu para o Guarani, de Campinas (SP). Passou também pelo Paulista de Jundiaí (SP) e chegou ao Atlético Mineiro. Gérson ganhou fama no final dos anos 80 e início dos anos 90 por ser artilheiro isolado da Copa do Brasil por três anos: 1989, 1991 e 1992, com 23 gols, representando o Atlético Mineiro e o Internacional, sendo o único jogador a conseguir este feito até hoje.
Foi nesta competição, com o uniforme do Atlético Mineiro, que marcou cinco gols em uma goleada histórica de 11 a 0 contra o Caiçara Clube, do Piauí.
Destaque no Internacional
Foi para o Internacional em 1992 em uma transação de 200 mil dólares, mais o meia Edu Lima. No Colorado, ficou conhecido como Nego Gérson e levou a equipe a vitórias importantes como a Copa do Brasil, onde marcou nove, dos 18 gols feitos pela equipe, e o bicampeonato gaúcho, conquistado 10 dias depois do primeiro feito.
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Nesta mesma época, pouco antes de entrar em campo para enfrentar o Santos, a equipe médica do Internacional recebeu exames de rotina dos jogadores e Gérson testou positivo para HIV. O Clube tentou esconder, mas logo anunciou à imprensa. Gérson, rapidamente, veio à público e desmentiu o fato, alegando estar apenas com caxumba. A notícia abalou absurdamente o elenco, fazendo com que os dirigentes voltassem atrás e desmentissem a notícia, o que na verdade era tapar o sol com a peneira.
Com toda esta confusão, o então treinador do Colorado, Antônio Lopes, recontratou e manteve o jogador como titular, inclusive o escalando para o Campeonato Brasileiro.
“Ia comandar um treino normal. Antes, tomei ciência da doença do Gérson. Foi uma turbulência muito grande. Estava todo mundo desesperado, o próprio presidente (José) Azmus. Procurei tranquilizar. Dei o exemplo do Magic Johnson que também enfrentou o problema e jogou. Disse que não teria problema. Ele fez tratamento, seguiu jogando tranquilo e foi o goleador. Ajudou-nos muito. Foi o grande baluarte do título.”, confessou o treinador em entrevista ao Globo Esporte anos mais tarde.
“Silêncio de irmão”
O ex-jogador Silas, que fez história no São Paulo e foi campeão mundial sub-20 ao lado de Gérson na Seleção Brasileira, também afirmou em entrevista à ESPN que a amigo, envergonhado, tentava esconder a doença a todo custo:
“Naquela época, se falar de Aids era um negócio… Eu acompanhei aquela fase inicial da doença do Gérson, mas ele não falou para mim que ele estava doente… Ele me pedia para levá-lo na clínica para tomar o medicamento, que era o AZT, mas ele não falava nada, e eu também não, era aquele silêncio, né… Silêncio de irmão”, afirmou o ex-jogador Silas.
Na Copa do Brasil, Gérson aparentava plena recuperação e foi neste ano que brilhou, com nove gols em 10 jogos, levando mais uma vez a artilharia do campeonato. Pelo feito, Gérson foi cogitado para integrar a Seleção Brasileira e disputar a Copa de 1994.
Acusação de abandono
Infelizmente, o atleta não conseguiu manter o alto desempenho. A doença já se manifestava fortemente e ele precisou ser internado. Chegou a voltar ao Clube após sua alta, mas não voltou a jogar. Foi dispensado em setembro de 1993.
“Ele tinha vindo do treino, a gente tinha acabado de almoçar, e aí ele recebeu um telefonema do clube pedindo para ele repetir o exame… Depois, ele foi abandonado. Ele ficou internado uma semana, e o clube nunca ligou para saber onde o jogador estava e por que não aparecia para treinar”, afirmou Andréa Mayr Felipe da Silva, esposa do jogador, em entrevista à ESPN.
Com Andréa, o centroavante teve três filhas: Tábata, a mais velha, Tamires, a do meio, e Taynah, a caçula, que nasceu apenas três dias após a morte do pai.
Sem clube e muito doente, Gérson e sua família voltaram para Guarujá (SP) e logo ele teve um tumor no cérebro, que o levou à morte. Seu atestado de óbito traz uma neurotoxoplasmose como causa da morte, pois a família nunca admitiu a doença.