Da proibição à consagração: os louros e espinhos do futebol feminino no Brasil

16/12/2022 às 16h15

Por: Thais Milena
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A história do futebol feminino se mistura à luta das mulheres para conquistar espaço, respeito e reconhecimento. Segundo a FIFA, a primeira partida de futebol disputada entre mulheres aconteceu em 1885, no vilarejo de Crouch End, ao norte de Londres (Inglaterra).

futebol feminino

Há relatos também de que a prática tenha surgido na China, entre 206 a.C. e 220 a.C., sob o nome de Tsu Chu. Num modelo mais próximo do que conhecemos, data de 1790, na Escócia.

No Brasil, os primeiros registros aconteceram na década de 20, em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, onde o que seria uma partida de futebol, nada mais era que um espetáculo circense. E isso se estendeu até meados da década de 40.

Esporte clandestino

Placa proibindo o futebol femino em 1941

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Nesta época, os jogos aconteciam nas periferias, até um dia chegar ao Pacaembu, o que gerou indignação da sociedade e logo um movimento de proibição da modalidade para mulheres, que se efetivou em 1941 sob o decreto-lei 3199, art. 54. Em linhas gerais, o documento afirmava que que as mulheres não deveriam praticar esportes que não fossem adequados a sua natureza. O futebol feminino, então, tornava-se clandestino.

Ainda assim, o Araguari Atlético Clube, em 1958, organizou um jogo beneficente onde 22 mulheres jogaram. Como tinha o cunho filantrópico, não houve problemas com a lei. O sucesso do evento foi capa da revista O Cruzeiro, o que fez o evento se prolongar por vários jogos e cidades de Minas Gerais e até outros estados, como Goiás e Bahia. Dado o sucesso, logo deram um jeito de acabar com o time, que foi desfeito em 1959.

Para piorar, em 1965, no governo de Getúlio Vargas, o decreto foi republicado, especificando que a prática de futebol por mulheres era proibida. Entretanto, em 1967, Léa Campos tornou-se a primeira mulher com curso de arbitragem do Brasil. Uma brecha na lei permitiu o feito, mas o machismo e o preconceito a impediram de ir à formatura. Somente em 1979 o decreto foi derrubado.

A proibição só caiu no papel. A sociedade não aceitava o futebol feminino e, assim, não tinha o apoio de clubes e/ou federações. Continuava sendo um simples passatempo. Mas, contrariando o status quo, o Esporte Clube Radar, time de Copacabana fundado em 1932, reuniu as melhores jogadoras do Rio de Janeiro e formou uma equipe, começando pelo futebol de areia (tradicional modalidade carioca) e logo chegou aos gramados, em 1981.

Regulamentação

Somente em 1983 o futebol feminino foi regulamentado, tendo então autorização para usar estádios, calendário próprio e inclusão na grade curricular de escolas. Nesta época, o Radar já se destacava, colecionando títulos, entre eles a Taça Brasil de Futebol Feminino da CBF, da qual foi hexacampeão. Conquistou também o Women’s Cup of Spain, o que seria a primeira tentativa de uma seleção brasileira de futebol feminino.

Em 1988, a FIFA organizou o primeiro campeonato mundial de futebol feminino, em caráter experimental. O chamado Women’s Invitational Tournament aconteceu na China. Formou-se então a primeira Seleção Brasileira de Futebol Feminino, que contou (em sua maioria) com as jogadoras do Radar e do Juventus (SP), um dos melhores times do Brasil na época.

Seleção Brasileira de Futebol Feminino

A situação era tão precária que nem uniforme as jogadoras tinham. Elas usaram as sobras do time masculino, dentre outros improvisos. Participaram 12 seleções e o Brasil levou o bronze, nos pênaltis.

Copa do Mundo

Seleção Brasileira Feminina Copa do Mundo 1991

Com a consolidação do futebol feminino, veio oficialmente a Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 1991. A CBF assumiu o time oficialmente, mas a precariedade continuava. Sem uniforme e tempo para se preparar, a mulherada foi para a Copa “na raça”. Elane, zagueira, marcou o primeiro gol feminino em uma Copa do Mundo. Mesmo com todo esforço e dedicação, o Brasil perdeu logo na primeira fase.

Mas valeu a experiência. O time seguiu treinando, já de olho nas Olimpíadas de 1996, nos EUA. Era a estreia do Brasil na modalidade. A seleção ficou em quarto lugar e começava a dar sinais de evolução, inclusive para o reconhecimento do esporte.

Em 1999 (foto abaixo) a seleção fez bonito. Na Copa do Mundo, apesar de muitos obstáculos, a seleção jogou com garra, deu show e conquistou o terceiro lugar na edição americana. Sissi foi destaque, como uma das artilheiras do campeonato.

Em 2003, chegou aquela que fez a diferença no futebol brasileiro e mundial. Seis vezes eleita a melhor do mundo, ao lado de Messi, Cristiano Ronaldo e outras feras. Marta Vieira da Silva, alagoana de Dois Riachos, é recordista. Poucos são os futebolistas que conquistaram tantos títulos de forma consecutiva.

Marta levou o futebol feminino brasileiro para outro patamar. Conquistou o Pan em 2003, nos EUA; a prata na Olímpiada da Grécia, em 2004; ouro, de goleada, no Pan do Rio, em 2007; vice-campeão na Copa de 2007, na China (vale ressaltar que foram duas grandes conquistas internacionais, no mesmo ano). Em 2008, veio a prata, na Olimpíada de Pequim. Em 2009, o Santos conquistou a Libertadores, tendo Marta e Cristiane no elenco, sendo Cristiane a artilheira da competição, com 15 gols. As Sereias da Vila encheram o Brasil de orgulho e conquistaram também a Copa do Brasil no mesmo ano.

Em 2014, a seleção começa um trabalho mais sólido, sob o comando de Vadão, para se preparar para a Copa Feminina de 2015 e as Olimpíadas de 2016. Aqui, a Seleção Feminina já tinha conquistado a torcida brasileira. As meninas bateram um bolão e ganharam o Pan de 2015, no Canadá.

Em casa, na edição brasileira das Olimpíadas de 2016, mesmo tendo atuações excelentes, o Brasil caiu, frente ao olhar de uma torcida ávida pela vitória. A direção do time foi trocada e Emily foi a nova técnica da seleção.

O ano de 2019 marcou muitas conquistas para o futebol feminino. A CBF e CONMEBOL tornavam obrigatório que os clubes que quisessem disputar campeonatos masculinos, obrigatoriamente deveriam ter times femininos. Os clubes correm atrás para formar seus times e o futebol feminino ganhou seu espaço, inclusive nas mídias. A Globo transmitiu a Copa Feminina, pela primeira vez na história. Além das jogadoras ganharem espaço, as comentaristas e narradoras também chegaram para ficar. Segundo dados da FIFA, são mais de 30 milhões de mulheres jogando futebol no mundo.

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