A história do futebol não seria a mesma sem o, literalmente grande, Vicente Feola. Nascido em São Paulo, no tradicional bairro ítalo-brasileiro do Brás, no início do século passado, Feola nunca foi franzino ou teve porte atlético. Sempre foi robusto, em personalidade e peso.
“As fotos que tenho desde os tempos de juventude dele mostram que sempre foi gordinho. Era mais magro, uma foto dele de maiô na praia em 1930 mostra isso. Mas não era atlético. Por isso, não creio, aliás nem tenho registros, de que ele tenha jogado pelo time principal do São Paulo como alguns falam. Deve ter jogado só como amador, já que não tinha porte de atleta”, conta Júlia Mandetta, neta de Vicente Feola.
Uma vida no São Paulo
Feola era funcionário administrativo da diretoria do São Paulo Futebol Clube desde 1937. Mas ele não se contentou em ficar atrás de uma mesa. Tornou-se preparador técnico e, depois, atuou por oito vezes como técnico do time titular do clube e escreveu seu nome na história do futebol, com incríveis 532 partidas à frente do tricolor.
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Julia orgulha-se da marca histórica do avô:
“Existe sempre muita política em qualquer clube e o técnico acaba sendo o bode expiatório. Acho difícil que alguém alcance a marca do meu avô no comando do São Paulo, com 532 partidas. Só o Muricy chegou perto, não é?”.
Muricy é o segundo treinador com mais jogos da história do clube, com 474 partidas, 58 a menos que Feola.
Los Hermanos e Constelação
A carreira de Feola começou na Portuguesa Santista, mas ele também passou pelo Auto Sport Club, Americano, Esporte Clube XV de Novembro e, quem diria, pelo Boca Juniors, da Argentina. Aliás, pelo Boca, Feola comandou 68 partidas, entre oficiais e amistosos.
O treinador era carismático e tinha uma legião de amigos entre jogadores, cartolas, dirigentes e pessoas comuns. Feola gostava de gente! A neta relembra os inúmeros jantares promovidos pelo avô e preparados pela avó Joanina, como uma boa “famiglia italiana” deve fazer.
Feola não tinha time, tinha constelação. Liderou ícones como Leônidas da Silva, Mauro Ramos, Teixeirinha e Friaça, levando o São Paulo ao bicampeonato estadual (que hoje conhecemos como o Paulistão), que na época era por pontos corridos.
Só mais 5 minutinhos…
Desde esta época, o treinador já era assunto nas rodas de amigos e crônicas esportivas, pois cochilava durante os treinos e/ou jogos, no banco de reservas.
“Ele foi contratado em 1937 como funcionário administrativo e técnico. E às vezes a sonolência era tão grande que ele adormecia falando ao telefone”, conta Agnello de Lorenzo, colega de trabalho em funções administrativas no SPC.
A neta do treinador tenta justificar tamanha sonolência:
“Ainda jovenzinho, aos 19 anos, meu avô teve nefrite. Foi uma doença que o atingiu fortemente. Ele teve que tirar um rim. Os remédios eram fortes. Além disso, a obesidade e diabetes minavam a sua disposição. Então, sim, ele dormia. Às vezes fora de hora e local. Mas adorava futebol”, disse.
E fez-se um Rei
Com tanto prestígio e carisma, Feola assumiu o comando da Seleção Brasileira entre os anos de 1958 e 1960. Logo em sua estreia, comandou o time em uma goleada de 5 a 1 no Paraguai. Além disso, ele contrariou a CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF) e trouxe a taça para casa.
A vitória foi ajudada pela persistência de Feola. Na ocasião, Pelé se contundiu em um amistoso contra o Corinthians dias antes do embarque para a Suécia e, por isso, ele seria cortado. O treinador não pensou duas vezes e “brigou” pela convocação do então menino Pelé.
Sua aposta valeu a pena, pois o Rei começaria aí o seu reinado, sendo destaque no Mundial. Feola teimou também para manter Zagallo como ponta-esquerda, indo contra à opinião pública.
“Meu avô foi técnico da geração de Mané Garrincha e Canhoteiro. Brigou para levar o menino Pelé para a Suécia. Então iria estranhar esta indústria de celebridade que cerca o futebol atual”, lamenta Julia.
Feola já era nome certo para a Copa de 62, assim como a equipe que ele formou, mas numa crise de nefrite (doença que causa inflamação nos glomérulos e afeta a capacidade do rim de filtrar os resíduos tóxicos e o líquido em excesso) o afastou do comando da seleção, sendo substituído por Aimoré Moreira, que conquistou o título.
O treinador bonachão na Copa de 1966, na qual o Brasil foi eliminado na primeira fase. Os torcedores, revoltados, invadiram a casa e Feola e quebraram algumas grades. Depois do vexame, o italianíssimo deixou de ser treinador, mas do “cargo” de torcedor ele nunca abriu mão. Ia periodicamente ao estádio e ouvia aos jogos e comentários pelo rádio.
“Ele adorava aquele rádio que tinha trazido da Europa. Tinha a poltrona dele. E ouvia os jogos com os olhos fechados. E quando o jogo era televisionado, via as imagens numa TV que também só ligava, mas ouvia a narração das emissoras de rádio. O curioso é que, no intervalo da partida, sempre alguém ligava para pedir instruções. Não sei quem era, mas ele falava quem deveria sair, quem deveria entrar e que mudanças faria na equipe”, recorda Júlia.
Perdeu a dividida
Logo sua pior adversária ganhava o campo. A nefrite agravou e Feola foi internado. Como uma criança travessa (que tinha D. Joanina como cúmplice), ele comia, escondido, pizza de calabresa e pão de linguiça que a esposa “contrabandeava” para dentro do hospital. Ele se consolava dizendo que “se fosse para morrer, que fosse de barriga cheia”.
E assim foi. Feola despediu-se do futebol e da vida, em virtude de complicações cardíacas, em novembro de 1975.