Toda derrota tem um vilão, pelo menos é o que os torcedores mais fanáticos buscam apontar após uma eliminação ou mesmo a perda de um título. Em 1950, o “carrasco” responsável pela derrota brasileira diante da Seleção Uruguaia foi o goleiro Moacyr Barbosa do Nascimento.
Conhecido como Barbosa, o jogador foi acusado de bode expiatório após uma possível falha no segundo gol do Uruguai, que acabou com o sonho de conquista da primeira Copa do Mundo.
Falha marcante
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No episódio, intitulado de Maracanaço, o Brasil perdeu a final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno Maracanã. A Seleção Brasileira empatava a partida em 1 a 1, resultado que bastava para o time ser campeão. Foi quando Barbosa viveu o momento que mudaria toda a sua vida.
O ponta do Uruguai Alcides Ghiggia recebeu uma bola na área. Barbosa achou que o jogador iria cruzar e deu um passo para a frente, com o intuito de cortar o possível cruzamento. Só que Alcides percebeu o pequeno espaço entre o goleiro e a trave e chutou ali, no canto esquerdo do gol. Sem poder reagir, o goleiro tomou o segundo gol, que deu o título ao Uruguai.
“Eu esperava que ele fosse cruzar a bola, essa era a jogada que eles vinham fazendo”, afirmou Barbosa em entrevista ao Jô Soares 11 e Meia no dia 8 de julho de 1998.
“Nessa altura ele errou, eu acredito que ele errando acertou”, completou.
Quando questionado pelo apresentador sobre o que passou pela sua cabeça depois do lance, Barbosa foi claro.
“Se tivesse um buraco, a gente entrava para sumir do mapa”, disse.
Falta de sorte
Para muitos brasileiros a mágoa será eterna, mas, mesmo assim, Barbosa ainda teria uma nova chance pela seleção nacional. Em 1953, foi chamado para disputar a Copa América, atuando em uma única partida, contra o Equador, seu último jogo com a camisa verde e amarela.
Muitos apostavam em Barbosa para defender o Brasil na Copa de 1954, mas uma fatalidade acometeu o jogador. Naquele mesmo ano, o goleiro do Vasco teve a perna quebrada em um jogo contra o Botafogo pelo Torneio Rio-São Paulo (foto acima).
Um choque com Zequinha fez o jogador perder a oportunidade de defender a seleção mais uma vez e deu início a uma depressão, que só ficou mais leve quando o hospital onde estava organizour filas de torcedores que gostariam de visitar o goleiro.
Pão que o diabo amassou
Após o episódio de 1950, Barbosa perdeu o sossego na vida. Começou a ouvir pelas ruas que era frangueiro, ou, ainda pior, que havia entregado o jogo para o Uruguai mediante suborno.
“Teve uma mulher que disse na minha cara que eu tinha recebido dinheiro. Outra chegou com um garotinho, que não tinha nem 10 anos, e disse: ‘Foi esse homem que fez o Brasil todo chorar’. Eu perguntei para ela: ‘Se eu fosse seu filho, você faria isso?’. Ela se calou e foi embora”, disse o goleiro certa vez em entrevista.
Em 1993, Barbosa viveu outro momento de humilhação sem igual, desta vez realizado pelo então técnico da Seleção Brasileira, Carlos Alberto Parreira. O Brasil treinava na Granja Comary, em Teresópolis, quando recebeu a visita do goleiro de 50, contratado da BBC, que queria um bate-papo entre ele o goleiro do Brasil de 94, Taffarel.
O treinador barrou a entrada de Barbosa, deixando o ex-jogador sem rumo diante da recusa.
“Proibi mesmo. Não quero contato com Barbosa ou nenhum jogador do passado. Não acrescenta nada”, disse Parreira na época.
Barbosa respondeu milhares de vezes aos questionamentos sobre o lance e, mais tarde, chegou a passar dificuldades financeiras, ficando dependente da ajuda de amigos para sobreviver. Em 1998, mais estabelecido, realizava palestras em eventos e inaugurações.
“Não é bem tranquila [a situação] porque eu não tenho aquilo que eu poderia ter, aquilo que tem o Ronaldinho, o Romário, mas eu vivo na condição de fazer palestras, como já estive na USP, na São Judas Tadeu, e vou me aventurando e ganhando um ‘cacauzinho’ para o sustento da vida”, disse em entrevista ao Jô.
Barbosa
Nascido em Campinas, Barbosa era filho de Emídio Barbosa e Isaura Ferreira Barbosa e teve dez irmãos. Aos 14 anos, após a morte do pai e de dois irmãos, mudou-se com a família para a capital paulista.
Ele trabalhou no Laboratório Paulista de Biologia e conheceu o amor de sua vida, Clotilde Melonio, com quem se casou em 1940 e ficou junto até a morte dela, em 1997.
Antes de virar profissional, Barbosa jogou pelo time do laboratório e, depois, nos campos da várzea, onde encontrou sua verdadeira vocação e saiu da ponta-esquerda para o gol.
Em 1941, passou a jogar profissionalmente pelo Ypiranga (SP) e, dois anos mais tarde, foi negociado com o Vasco por sugestão de Domingos da Guia, então zagueiro do Corinthians.
Quando chegou ao Rio, esperou para começar a atuar, mas, depois que entrou, não saiu mais. Esteve na defesa do time em diversas conquistas, como seis edições do Campeonato Carioca, um Torneio Rio-São Paulo, o Sul-Americano de Clubes e o Torneio Rivadávia Corrêa Meyer, sucessor da Copa Rio.
Disputou quase 500 jogos pelo Vasco, sendo um dos mais importantes o do Sul-Americano de 1948, no estádio Nacional, de Santiago, no Chile, quando enfrentou Alfredo Di Stefano.
“A última partida foi contra o River Plate, que era o favorito. E o juiz deu uma garfada tremenda na gente. Anulou um gol, não nos deu um pênalti e marcou um pênalti para eles. Eu peguei e fomos campeões invictos”, disse Barbosa, ao “Bola da Vez”, da ESPN, em 2000.
Posteriormente, Barbosa passou por Bonsucesso, Santa Cruz, retornou ao Vasco e defendeu por último o Campo Grande (RJ). Faleceu no dia 7 de abril de 2000, aos 79 anos, na Praia Grande, litoral de São Paulo, onde residia desde 1990.
Hyeróclio Barros, publicitário e diretor da TV Excelsior do Rio entre os anos 60 e 70 que estava presente na derrota do Brasil para o Uruguai, publicou um vídeo em homenagem ao ex-goleiro na época.
“Entendo que ele foi vítima de uma fatalidade. E, como tal, um injustiçado. Onze eram os jogadores e apenas ele ficou responsável. Foi um grande goleiro. Conquistou muitos títulos pelo seu clube. Os que o conheceram de perto diziam-no ser um ser humano correto e bom”, afirmou.