Antes de partir, ex-Palmeiras foi salvo do alcoolismo por apresentador

Milton Neves

Milton Neves (Reprodução / Web)

O interiorano João Marcos Coelho da Silva nasceu em Botucatu (SP) e, como a maioria das crianças brasileiras, amava futebol. Empenhado em seguir carreira como goleiro, foi para Campinas e começou a treinar nas categorias de base do Guarani, alcançando a equipe principal em 1971. Naquela época, o atleta nem imaginava que sua vida seria salva no futuro por ninguém menos que Milton Neves.

Milton Neves (Reprodução / Web)

Em 1975, João Marcos foi emprestado ao São Bento de Sorocaba (SP) e, em 1976, transferido para o Noroeste de Bauru (SP). Seguiu para o América de São José do Rio Preto (SP) e, em 1979, conquistou visibilidade, indo para o Palmeiras e defendendo o gol alviverde até 1983.

No mesmo ano, foi para o Grêmio (sendo vice da Libertadores) e convocado por Carlos Alberto Parreira para defender a Seleção Brasileira. Em 1984, voltou à seleção e atuou em uma única partida, como titular, contra o Uruguai, da qual saiu vencedor.

“Foi o dia mais importante da minha vida”, recordou o goleiro em entrevista ao UOL.

Lesão definitiva

Mas os louros da fama foram poucos. Na mesma época da Seleção, João Marcos começou a sentir dores no ombro esquerdo graças a uma luxação.

Desconcertantemente, recebeu o diagnóstico de que não adiantaria uma cirurgia corretiva, já que não teria efeitos duradouros. Com este “balde de água fria”, João Marcos se aposentou em 1986, aos 30 anos, no auge de sua forma. Sepultou, assim, sua promissora carreira.

Alcoolismo

João Marcos

Com a aposentadoria, o ex-goleiro começou a administrar uma fazenda e, apesar da estabilidade financeira, sua saúde psicológica foi de mal a pior. Emocionalmente abalado e arrependido de parar de jogar futebol, ele se jogou na bebida.

“Depois que eu parei, ‘a coisa’ me pegou. Fiquei revoltado por ter parado na hora errada. Você está acostumado com aquilo da adrenalina e de repente entra numa vida calma e tranquila. Foi um baque forte. Sentia falta do que fazia. Imagina só chegar numa seleção brasileira e de uma hora para outra ver isso morrer”, afirmou João Marcos na mesma entrevista.

E este adversário foi duro com o ex-goleiro. Foram 20 anos entregues à bebida. Passou por clínicas de reabilitação, fez tratamentos, mas não tinha forças para sair do fundo do poço em que caiu. Chegou a ter uma crise gravíssima de cirrose que quase o matou. O álcool lhe tirou tudo: a saúde, o casamento, os filhos, o dinheiro e a paz.

“Ela [ex-mulher] se separou porque eu bebia mesmo. Ela tinha razão. Não dava certo. Eu fazia meu serviço, mas de noite esquecia tudo”, falou. “Você chega a perder o respeito dos amigos e das pessoas que mais admira. Não digo que é o fundo do poço porque ele não tem fim. Perdi meus filhos e meus amigos”, completou.

Anjos

Veloso, João Marcos e Chicão (Reprodução / Web)

Os “anjos” salvadores de João Marcos foram o jornalista Milton Neves, apresentador da TV Bandeirantes, e o empresário Reinaldo Henrique Moreira.

“Um dos casos mais emblemáticos foi o do João Marcos. Eu não conhecia o João Marcos, não entrevistava o João Marcos, mas um dia, num domingo, o João Marcos telefonou espontaneamente de Botucatu para a Rádio Bandeirantes de São Paulo, e ele começou a falar comigo fora do ar e balbuciava, chorava, e ele falava que queria entrar no ar, e eu falei: `Você está em condições de falar?’ Ele falou: ‘estou´. Plugamos e colocamos ele no ar, e ele espontaneamente se emocionou, levou às lágrimas milhares e milhares de ouvintes dizendo: ‘eu estou no fundo do poço, eu sou um alcoólatra em último estágio. Ou eu paro de beber ou eu morro dentro de alguns poucos dias, eu preciso de ajuda pelo amor de Deus. Milton Neves, você que gosta tanto de ex-jogadores me ajude, eu já perdi tudo, mulher, filhos, família, terras, casa, perdi tudo no copo, o copo é a minha desgraça, me ajude’, contou o apresentador em entrevista ao UOL Esporte.

Aí, Reinaldo Moreira entrou em campo. Ele se comoveu tanto que foi pessoalmente à Mogi das Cruzes (SP) e reservou lugar em uma das melhores clínicas para recuperação de drogados e alcoólatras. Depois, foi até Botucatu e levou João Marcos para a instituição, onde ele ficou por alguns meses e se recuperou.

Milton Neves e Neto (Reprodução / Web)

Apesar de sua triste trajetória, João Marcos bravamente se reergueu. Implorou ajuda, apegou-se à religião e ficou “limpo” por vários anos. Se usando como exemplo, o ex-atleta se dedicou a projetos sociais em parceria com a prefeitura de Botucatu. Reconstruiu sua vida com um novo casamento e se reaproximou dos três filhos.

“Eu uso minha vida e mostrando como eu errei. Todo mundo erra. Meu erro foi forte e hoje dou palestra sobre dependência e para falar de como sair do vício. Tento mostrar os caminhos pra sair. Procuro mais não deixar eles [jovens] entrarem. Pra sair o custo é alto, tanto na parte financeira como na psicológica. Sei como é difícil tirar alguém. Dou palestras em escolas, ONGs e nas escolinhas que eu ministro. As crianças são o futuro. Pego em cima na questão do álcool e das drogas”, explicou.

Como o próprio jogador fala, o “milagre” que o trouxe de volta à vida lhe deu a oportunidade de escrever um livro chamado “A Maior de Todas as Defesas”, no qual ele conta sua história, com prefácio de Milton Neves.

Mesmo com todo o esforço e a segunda chance que a vida lhe deu, João Marcos foi vítima do seu erro. O ex-goleiro morreu em abril de 2020, aos 66 anos, com problemas no esôfago decorrentes do alcoolismo.

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